A tecnologia moderna poderia, fora de contexto, ser facilmente confundida com alguma espécie de magia ou invenção da mente brilhante de um autor de ficção científica: pequenos aparelhos de bolso capazes de acessar em tempo real bibliotecas inteiras, fotografias em alta resolução capturadas em tempo real, chamadas em vídeo com pessoas ao redor do mundo, entre tantas outras coisas cotidianas que seriam surpreendentes se vistas um século atrás.
Na verdade, a relação entre filmes de ação com seus espiões repletos de apetrechos e filmes de ficção científica que buscam esticar ao máximo os limites da física teórica com o mundo da tecnologia real é bastante interessante: muitos aparelhos eletrônicos foram inspirados em suas versões teóricas em filmes, e com tantas inovações recentes, pode ser difícil diferenciar o que é ficção de Hollywood e o que poderia pertencer ao gênero do true crime – cada vez mais popular no Brasil, como mostra a ExpressVPN. Confira.
Câmeras que enxergam através de paredes:
Tecnologia encontrada em filmes como Batman: O Cavaleiro das Trevas (2008) e Judge Dredd (1995), e muito frequente em histórias de super-heróis ou forças policiais de elite, a possibilidade de enxergar o que se passa do outro lado de uma parede sólida sempre intrigou crianças e adultos: desde uma simples curiosidade quanto ao que se passa com um vizinho barulhento até a solução de crimes complexos e, em muitos casos, preocupações válidas quanto à privacidade em um futuro onde nem mesmo a própria casa possa servir como escudo contra bisbilhoteiros.
Algumas tecnologias de “visão através de objetos” já caíram nas mãos do público. Um exemplo é o smartphone OnePlus 8 Pro. Lançado com uma câmera infravermelha de alta potência, o aparelho surpreendeu consumidores e analistas ao mostrar que era capaz de enxergar através de objetos plásticos como controles remoto, painéis de acrílico e outros objetos. Apesar de divertido, o recurso não seria capaz de observar alguma atividade a longo alcance, e não enxergaria através de materiais como concreto, tijolo, metais ou vidro. Apesar disso, a função foi bloqueada em uma atualização de software, pois agentes reguladores constataram que algumas peças de roupa de materiais plásticos – como o poliéster – eram vulneráveis ao “raio x” do smartphone.
Fora das mãos dos usuários comuns, mas já presente em algumas corporações policiais e exércitos pelo mundo, há um sistema que realmente se parece com o encontrado nos filmes: a visão através de paredes. Para isso, aparelhos aéreos ou diretamente posicionados na parede utilizam uma gama de espectros invisíveis aos olhos para detectar possível movimento dentro de um ambiente fechado. Sensores de infravermelho, radiofrequência, e até mesmo antenas de Wi-Fi calibradas para perceber pequenas diferenças no sinal, são conjuntamente associados dependendo do ambiente e limitações impostas.
Ainda assim, não há motivo para pânico ou alarme: embora sensores de presença sejam extremamente efetivos em espaços aéreos, por exemplo, ao buscar por fugitivos em uma mata densa, as camadas reforçadas de estruturas como prédios e residências não permitem a espionagem detalhada que vemos em filmes. É possível, no entanto, saber quantas pessoas estão em um ambiente, sua relativa proximidade, e se estão prestes a sair ou se locomover para outro cômodo, ajudando por exemplo a identificar reféns ou sequestros.
Sistema de proteção via laser:
Todos já assistimos alguma cena de assalto a um museu de alta segurança ou servidor empresarial que se passa assim: criminosos ou espiões se arrastam lentamente por um emaranhado de feixes de laser que disparam para todos os lados – é preciso cuidado, pois ao encostar em um laser, os alarmes disparam. Mas será que isso existe mesmo?
A resposta é sim, mas não exatamente como estamos acostumados: nos filmes, como em Missão Impossível (1996) é comum que os feixes de laser sejam raios vermelhos altamente brilhantes e, coincidentemente, excelentes para que um espião possa desviar cuidadosamente. Outra possibilidade encontrada em Hollywood são raios invisíveis, mas que com um pouco de fumaça ou vapor se tornam temporariamente visíveis. Na vida real, os lasers de sistemas de segurança avançados são de fato utilizados para proteger cofres, objetos preciosos, ou ambientes inteiros, mas o comprimento de onda escolhido para os lasers não é visível a olho nu – mesmo que fumaça ou outro material particulado seja espalhado no ar.
A tecnologia funciona disparando um feixe de laser preciso na direção de um sensor, escondido do outro lado da fonte de luz. Quando há uma interrupção, mesmo que muito breve, da luz capturada pelo sensor o alarme é disparado automaticamente vários pares de lasers e sensores são espalhados, formando quadrantes de proteção. Essa tecnologia só é possível graças aos grandes avanços tecnológicos na produção de lasers – os feixes são extremamente precisos e possuem pouca dispersão, ou seja, a luz segue praticamente em linha reta e acaba exatamente onde o sensor está posicionado.
Sem a precisão da tecnologia laser, os sensores funcionariam de forma semelhante a encontrada em luzes automáticas para prédios e garagens: neste caso, uma luz de espectro invisível aos olhos também é emitida e um sensor captura sua intensidade. No entanto, sem a tecnologia laser, a luz se espalha de forma difusa por todos os lados, sem precisão. Por isso, o sensor deve ser calibrado com uma média esperada de luz no ambiente, resultando em disparos mais lentos e, ainda mais relevantes, falsos positivos. Em um sistema de segurança, essas limitações seriam inadmissíveis.
Exoesqueletos:
O corpo humano é uma máquina biológica de esqueleto sólido e músculos que podem ser treinados ao extremo. Mesmo fora dos recordes mundiais de levantamento de peso ou luta livre, relatos mostram que em situações de extrema emergência, pessoas são capazes até mesmo de levantar parcialmente um carro ao utilizarem toda a sua força. No entanto, será que a tecnologia nos trará a capacidade de superar nossos limites biológicos?
Em filmes como No Limite do Amanhã (2014) soldados utilizam trajes mecânicos que, vestidos por cima do corpo, aumentam significativamente a força, velocidade e capacidades de um soldado. Apesar de ainda não tão desenvolvidos e flexíveis como os encontrados em filmes, os exoesqueletos biomecânicos são reais e recebem investimentos milionários tanto do setor de pesquisa privada quanto governamental.
Os exoesqueletos atuais são fruto de avanços na engenharia de materiais, capaz de criar ligas extremamente resistentes e leves, com grandes saltos na robótica. Os modelos atuais já são utilizados no contexto militar para otimizar a logística e transporte rápido de cargas pesadas pelo solo, e em algumas empresas de armazenagem e transporte, exoesqueletos auxiliam empacotadores. Há modelos em desenvolvimento com o objetivo de armar bombeiros com mais ferramentas para lidar com prédios em ruínas e incêndios de alto perigo. A grande limitação atrasando o desenvolvimento dos exoesqueletos é seu alto consumo de energia: os exoesqueletos militares da DARPA, por exemplo, exigem mais de três mil watts para operar – ou seja, apesar de aumentar a capacidade de um soldado de carregar peso, o exoesqueleto também exige que o soldado carregue uma bateria igualmente pesada para funcionar. Modelos mais flexíveis e leves já aparecem em fases de teste, e se aproximam muito dos encontrados em Hollywood.
Computadores quânticos:
Os computadores tradicionais são uma das maiores maravilhas tecnológicas que transformaram por completo nossas vidas: transações monetárias, cálculos complexos, simulações de física e biologia, jogos eletrônicos, fotografia digital, empresas inteiras são capazes de operar dentro do universo binário dos computadores. Mas será que existe uma fronteira ainda mais transformadora além da potência que já encontramos em nossos computadores?
Em filmes como O Jogo da Imitação (2018) vemos uma alusão ao que teóricos chamam de computação quântica: ao misturar as propriedades complexas (e confusas) das partículas quânticas com os computadores, uma nova classe de processador pode ser desenvolvida. Nos computadores tradicionais, de sua primeira aparição até os modelos atuais, os dados são representados por bits compostos pelos algarismos 0, representando “não” ou “falso” e 1, representando “sim” ou “verdadeiro”. Combinando instruções e milhares de bits, é possível realizar quase qualquer operação em um computador tradicional. Os computadores quânticos, por outro lado, utilizam qubits, que podem existir simultaneamente em múltiplos estados (0, 1 ou ambos ao mesmo tempo, graças ao fenômeno da superposição). Além disso, os qubits podem ser interligados por emaranhamento quântico, permitindo que o estado de um qubit afete instantaneamente o estado de outro, mesmo a distância.
Essas propriedades permitem que os computadores quânticos realizem cálculos complexos muito mais rapidamente do que os computadores clássicos para certas tarefas, como a fatoração de grandes números ou a simulação de moléculas. Empresas como a IBM já apresentaram protótipos funcionais de computadores quânticos com cerca de mil qubits, e esperam criar produtos comercialmente viáveis dentro da próxima década. Computadores quânticos mudarão fundamentalmente a forma como enxergamos os problemas de computação, simulações complexas e até mesmo a segurança digital.
Interface cérebro-máquina:
Por fim, apesar de poderosas e transformadoras, as tecnologias como conhecemos hoje possuem uma grande limitação: a interação entre a máquina e o corpo humano depende de algum apetrecho ou etapa intermediária. Um mouse, teclado, tela por toque, sensor de presença, nunca podemos comandar diretamente o aparelho que estamos utilizando – e qualquer informação em nossa mente primeiro precisa ser traduzida em um texto, código de programação ou imagem para ser processada. Mas em filmes como Matrix (1999) e Avatar (2009) esse limite é finalmente superado com máquinas capazes de serem controladas pela nossa própria mente, interagindo diretamente com o cérebro humano (para o bem, ou para o mal).
Essa possibilidade quase surreal se tornou real e funcional graças aos esforços de pesquisadores como o professor doutor Miguel Nicolelis, brasileiro que desenvolveu mecanismos para que sensores capazes de interagir com neurônios humanos enviem sinais para uma máquina ou computador. Durante a abertura da Copa do Mundo de Futebol de 2014, o pontapé inicial foi realizado por uma pessoa anteriormente paralisada que, com um exoesqueleto controlado por seu próprio cérebro, foi capaz de comandar a perna biótica a chutar. Os esforços de Nicolelis também foram levados por ex-estudantes e colaboradores à iniciativa privada: a empresa Neuralink apresentou ao mundo, em 2024, implantes capazes de permitir que seus usuários movam o mouse do computador apenas com a força do pensamento, em um exemplo, o paciente é capaz de jogar um videogame apenas pensando na ação (como pular) ao invés de precisar pressionar o comando.
Embora ainda distantes, avanços na interface cérebro-máquina podem permitir ainda mais mobilidade e qualidade de vida para pessoas com deficiências físicas, implantes avançados para recuperação da visão ou audição, e controle direto sobre computadores e smartphones.